Fundamentos de Bioquímica
Biomolécula
O objetivo da bioquímica é explicar a forma e a função biológica em termos químicos.
COMPOSIÇÃO E LIGAÇÃO QUÍMICA
A composição da matéria viva é diferente da do mundo inanimado. Hidrogênio, carbono, nitrogênio e oxigênio constituem mais de 99% da massa dos seres vivos. Estes são os elementos mais leves capazes de formar uma, duas, três e quatro ligações, respectivamente. Os elementos químicos que comparecem em quantidades diminutas (micro-elementos) são, no entanto, essenciais à vida, usualmente porque são essenciais à função de proteínas.
As biomoléculas são compostos de carbono
A química dos seres vivos é função dos compostos orgânicos, ou seja, está organizada ao redor do elemento carbono. O átomo de carbono pode ter ligações covalentes com hidrogênio, oxigênio, nitrogênio e carbono. Cadeias de carbono podem ser formadas, com duplas e triplas ligações. Essa versatilidade do carbono é que lhe confere a propriedade chave para ser o esqueleto dos compostos orgânicos.
Grupos de átomos específicos podem ser adicionados ao esqueleto carbônico conferindo propriedades químicas específicas – grupos funcionais.
Os grupos funcionais determinam as propriedades químicas
Os hidrocarbonetos (cadeia de carbonos ligados a hidrogênio) podem derivar outras biomoléculas, pela substituição de hidrogênio por um grupo funcional, por exemplo: hidroxila (álcool), carbonila (aldeído ou cetona), amino, amido, carboxilas. Muitas biomoléculas possuem dois ou mais grupos funcionais diferentes.
ESTRUTURA TRIDIMENSIONAL: CONFIGURAÇÃO E CONFORMAÇÃO
Além dos grupos funcionais presentes na molécula, o arranjo espacial da biomolécula também é importante para determinar suas funções – estereoquímica. Compostos orgânicos que possuem a mesma ordem de ligação, mas a relação espacial entre os átomos é diferente são chamados de estereoisômeros.
A configuração de uma molécula é mudada somente pela quebra de uma ligação
Configuração é o arranjo espacial de uma molécula orgânica, que depende da presença de dupla ligação ou da presença de centros quirais, ao redor dos quais os grupos substituintes estão arranjados em uma seqüência específica.
Moléculas que diferem entre si apenas pela disposição espacial dos grupos funcionais ao redor dos carbonos envolvidos em dupla ligação são chamadas de isômeros espaciais ou isômeros cis-trans. A molécula será considera cis quando os grupos funcionais prioritários estiverem no mesmo plano, enquanto moléculas trans apresentam estes grupos funcionais em planos diferentes.
Moléculas que diferem entre si pela disposição espacial ao redor de um centro quiral (carbono assimétrico) são conhecidos como estereoisômeros. Estereoisômeros que são imagens especulares (de espelho) entre si são chamadas de enantiômeros, enquanto estereoisômeros não especulares são chamados de diastereômeros. O número de estereoisômeros de uma substância é função do número de centros quirais presentes, obedecendo a fórmula 2n, onde n é o número de centros quirais). A nomenclatura dos estereoisômeros é baseada na distribuição espacial dos grupos funcionais prioritários ao redor do centro quiral. O estereoisômero será R se a distribuição for no sentido horário, e será S, se no sentido anti-horário.
Enantiômeros possuem propriedades químicas idênticas, porém diferem na propriedade física de interação com a luz plano-polarizada. Assim, em soluções separadas, dois enantiômeros deslocam a luz em direções opostas, mas soluções equimolares de dois enantiômeros (mistura racêmica) não mostram desvio óptico. Compostos sem centros quirais não giram o plano de luz.
As interações biológicas são estereoespecíficas.
A conformação molecular é alterada pela rotação ao redor das ligações simples
Conformação molecular é o arranjo espacial dos grupos substituintes que são livres para assumir diferentes posições no espaço, sem a quebra de qualquer ligação, devido à liberdade de rotação da ligação.
Configuração e conformação
A combinação entre configuração e conformação é de extrema importância para as interações biológicas das biomoléculas. O estudo da estrutura tridimensional das biomoléculas é realizado por meio de cristalografia de raios X e ressonância nuclear magnética.
Interações entre biomoléculas são estereoespecíficas
As biomoléculas quirais nos seres vivos ocorrem geralmente em apenas uma de suas formas quirais (L-aminoácidos, D-monossacarídeos) porque as enzimas que os sintetizam são também moléculas quirais. Ao contrário, quando sintetizadas em laboratório, geralmente o que se obtém é uma mistura racêmica.
A habilidade para distinguir entre estereoisômeros (estereoespecificidade) é uma propriedade das biomoléculas (e.g. enzimas).
REATIVIDADE QUÍMICA
Os mecanismos das reações bioquímicas podem ser entendidos e previstos a partir da natureza dos grupos funcionais dos reagentes.
A força da ligação está relacionada às propriedades dos átomos que dela participam
Nas reações químicas, ligações são quebradas e novas são formadas. A força de uma ligação química depende de (1) eletronegatividades relativas, (2) da distância dos elétrons que participam da ligação em relação a cada um dos núcleos, e (3) da carga nuclear de cada átomo. O número de elétrons compartilhado também influencia a força da ligação; ligações duplas são mais fortes que ligações simples. A energia de ligação é a quantidade de energia necessária para romper uma ligação ou quantidade de energia ganha pelo ambiente quando há formação de ligação.
A variação da entalpia (DH) é a diferença de energia no sistema antes e após a reação química. Se o sistema absorve energia na forma de calor à medida que a transformação ocorre (endotérmica) então DH é positivo. Quando o calor é produzido (exotérmica), DH é negativo. A variação na entalpia reflete os tipos e o número das ligações covalentes que são sintetizadas e quebradas. A variação na entalpia é um dos três fatores que determinam a variação de energia livre, além da temperatura e a mudança na entropia.
Nas células ocorrem cinco tipos gerais de transformação química
As milhares de reações bioquímicas se encaixam dentre cinco tipos gerais: (1) oxidação-redução; (2) reações que formam ou quebram ligações carbono-carbono; (3) reações que rearranjam a estrutura das ligações ao redor de um ou mais átomos de carbono; (4) transferência de grupos funcionais; (5) reações nas quais duas moléculas se condensam com a eliminação de uma molécula de água.
Todas as reações de oxidação-redução envolvem transferência de elétrons
Oxidação é a perda de elétrons. Esta perda pode ser funcional como no caso do deslocamento efetivo do elétron no sentido do átomo mais eletronegativo. Assim, a transformação de alcano (-CH3) em um álcool (-CH2OH) é uma reação de oxidação. Quando na reação de oxidação, há perda de dois átomos de hidrogênio, esta é denominada desidrogenação (e as enzimas envolvidas, desidrogenases). Quando na reação de oxidação, um átomo de carbono se liga a um de oxigênio, as enzimas envolvidas são chamada de oxidases ou oxigenases dependendo da origem do átomo de oxigênio.
Toda oxidação é acompanhada de redução. Os seres vivos obtém a energia necessária para o trabalho celular oxidando combustíveis (carboidratos, lipídios). As vias catabólicas são reações de oxidação-redução em cadeia que resultam na transferência de elétrons das moléculas combustíveis por meio de uma série de transportadores de elétrons até o oxigênio. A afinidade alta do O2 por elétrons torna todo o processo de transferência de elétrons altamente exergônico, fornecendo a energia que impulsiona a síntese de ATP – o objetivo central do catabolismo.
Ligações carbono-carbono são quebradas e formadas por reações de substituição nucleofílica
Uma ligação covalente pode ser quebrada de forma homolítica (cada um dos átomos envolvidos mantém seus elétrons que estavam sendo compartilhados) ou heterolítica (um dos átomos envolvidos na ligação carrega sozinho os elétrons antes compartilhados, formando um ânion e deixando o outro átomo na forma de cátion). Quando um segundo grupo rico em elétrons substitui o ânion que saiu, uma substituição nucleofílica ocorre. Nucleófilos são os grupos ricos em elétrons e que são capazes de doá-los, e eletrófilos são os grupos funcionais deficientes em elétrons. Grupos funcionais que contêm oxigênio, nitrogênio e enxofre são importantes nucleófilos biológicos, enquanto átomos de hidrogênio e metais carregados positivamente atuam como eletrófilos. Um átomo de carbono pode atuar como nucleófilo ou eletrófilo, dependendo de quais ligações e grupos funcionais o cercam.
As reações de substituição de nucleófilos em ligações carbono-carbono pode ser do tipo reação SN1 (em que ocorre perda de um nucleófilo antes da entrada do outro) ou do tipo reação SN2 (em que se estabelece um estado intermediário pentavalente com os dois nucleófilos transitoriamente ligados ao carbono).
Transferência de elétrons intramolecular produz rearranjos internos
O rearranjo intramolecular é a redistribuição de elétrons que resulta em isomerização, transposição de ligações duplas e rearranjos de ligações duplas cis-trans.
Reações de transferência de grupos ativam intermediários metabólicos
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Biopolímeros são formados por condensação
As subunidades monoméricas que compõem proteínas, ácidos nucléicos e polissacarídeos são ligadas por reações de deslocamento nucleofílico que substituem um bom grupo de saída (nucleófilo fraco). Por exemplo, na reação de ligação de duas moléculas de aminoácidos, um aminoácido não substitui diretamente o nucleófilo hidroxila (pois este é um nucleófilo forte, portanto um grupo de saída pobre) do outro aminoácido, mas ao invés disto primeiro o grupo hidroxila é transformado em um grupo de saída melhor (tRNA) e só então este é deslocado por uma reação de condensação sendo substituído pelo outro aminoácido.
MACROMOLÉCULAS E SUAS SUBUNIDADES MONOMÉRICAS
Os polissacarídeos, as proteínas e os ácidos nucléicos são construídos pela polimerização de subunidades relativamente pequenas, de peso molecular ao redor de 500 ou menos. A síntese das macromoléculas é uma atividade celular forte consumidora de energia.
Os principais constituintes das células são macromoléculas
A água é o composto mais abundante dos seres vivos, mas as macromoléculas são os principais constituintes secos. As proteínas têm atividade catalítica, estrutural ou de transporte de sinais ou substâncias. As proteínas são talvez as mais versáteis das biomoléculas. Os ácidos nucléicos (DNA e RNA) armazenam, transmitem e transcrevem a informação genética. Os polissacarídeos servem de armazenadores de alimentos, liberadores de energia, como elementos estruturais extracelulares e como sinais celulares específicos. Os lipídios servem como componentes estruturais das membranas e como armazenamento de alimentos ricos em energia. Todas essas moléculas são sintetizadas em reações de condensação. Nas macromoléculas, o número de subunidades monoméricas é muito grande.
As macromoléculas são construídas com subunidades monoméricas
As proteínas e os ácidos nucléicos possuem subunidades monoméricas simples, pouco diversas e idênticas em todas as espécies. São moléculas informacionais. Os polissacarídeos, de uma certa forma, também carrega informação reconhecível por outras macromoléculas.
As subunidades monoméricas têm estrutura simples
As proteínas são formadas por aminoácidos que são constituídos por um grupamento carboxila e um grupo amino ligados a um átomo de carbono (carbono a), ao qual também se liga uma cadeia lateral variável. Vinte aminoácidos diferentes são encontrados nas proteínas. Os ácidos nucléicos são constituídos por unidades recorrentes de quatro tipos diferentes de nucleotídeos para o DNA e outros quatro tipos para o RNA. Cada nucleotídeo é composto por um grupo fosfato, uma base nitrogenada e uma ribose. Os lipídios são construídos por poucos tipos de subunidades. A maioria contém ácido(s) graxo(s). Muitos lipídos possuem também álcool e alguns contêm fosfato. Os polissacarídeos mais comuns são constituídos por subunidades de glicose ou derivados de glicose.
A condensação entre as subunidades cria ordem e requer energia
A formação de macromoléculas a partir da condensação de monômeros aumenta a organização do sistema, portanto não estaria de acordo com a segunda lei da termodinâmica que diz que a tendência dos processos químicos e físicos é o aumento da entropia (desorganização). Assim, a formação de polímeros é possível com gasto de energia.
A desordem dos componentes de um sistema químico é expressa como a entropia (S). A variação de entropia (DS) tem valor positivo quando a desordem aumenta.
O conteúdo de energia livre (G) de qualquer sistema isolado é definido em relação a entalpia (H), entropia (S) e temperatura absoluta (T), onde, G = H – TS, ou, DG = DH – T DS. Se DG é negativa (exergônica) a reação tende a acontecer, mas se DG é positiva (endergônica), a reação é desfavorável. As reações endergônicas devem ser acopladas a reações exergônicas mais fortes para que possam ocorrer. A fonte comum dos seres vivos de energia é a hidrólise de ATP.
A estrutura celular é hierarquizada
Unidades monoméricas se unem por ligações covalentes e formam polímeros que se agrupam através de interações não-covalentes formando complexos supramoleculares. Entre as interações não-covalentes, encontram-se pontes de hidrogênio, interações iônicas, interações hidrofóbicas e interações de van der Waals. Nos complexos supramoleculares, o grande número de interações fracas entre as macromoléculas estabiliza as estruturas não-covalentes finais, produzindo sua estrutura “nativa” única.
EVOLUÇÃO PRÉ-BIÓTICA
Todos os organismos vivos descendem de uma única linhagem celular primordial.
As primeiras biomoléculas apareceram por evolução química
A atmosfera terrestre primitiva foi muito diferente da que existe hoje. Rica em metano, amônia, água e essencialmente destituída de oxigênio, ela era uma atmosfera redutora, e não oxidante como hoje. A partir destes reagentes formaram-se compostos orgânicos simples que se concentraram nos mares primitivos e, estes por sua vez, se associaram em macromoléculas, que se associaram à membranas e catalizadores originando os precursores das células primitivas.
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